sexta-feira, 11 de julho de 2014

Era para ser eu...


Estádio lotado, gritos por todos os lados, muita tensão no ar...
- Vamos entrar.
Pé direito na frente (não sou supersticioso, mas melhor não dar chance, não é mesmo?), a escadaria parece não ter fim. Já vejo bandeiras amarelas e o clamor da torcida, "é agora" - penso eu. O palco está lindo, mas as emoções se misturam, vontade e apreensão, toda uma carreira se resume a estas próximas horas. Lembro das arenas romanas, esqueço que é um jogo, isto é uma guerra e o meu povo torce e confia em mim.
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Num flash rápido lembro da escola, da fila do chute no recreio, na divisão dos times e de como era bom não ser o último a ser escolhido, como era gratificante perceber a admiração dos colegas "você joga bem, quero você no meu time!". Ali nascia uma paixão, eu e a bola (presente obrigatório dos meus oito aos onze anos), "que roupa que nada mãe, eu quero uma bola nova!". Assim passaram-se os anos, as vitórias e as derrotas me ensinaram, muitas vezes de forma muito dolorida, mas você se esforça e vais se tornando cada vez mais intolerante com os fracassos, "eu quero, e posso, ser o melhor", "eu vou chegar lá". 
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Quantas festas trocadas por peladas nas noites de sexta-feira, quanta vergonha aturada pelos pais quando me recusava a tirar a camisa do time do coração mesmo para os eventos mais elegantes? Porém quão recompensador era fazer o gol da vitória no campeonato estudantil? Aquilo era demais! O caminho estava traçado, não era gordo, nem magro, era rápido mas também inteligente nos passes, chutava com as duas pernas com igual desenvoltura, tinha talento, tinha futuro, tinha...
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Em certo momento a escolha tem que ser tomada e se as portas demoram a se abrir você procura outro caminho, desfoca, é atraído para outras direções. Meninas (ahh como elas são fascinantes), o estudo "você precisa buscar o seu espaço, estudar para ter um bom emprego" e, logicamente, a realidade lhe fazem perceber que além de ser bom você precisa de muita sorte para ser o camisa dez de um grande clube, para ultrapassar a barreira do sonho e vivê-lo o universo precisa conspirar ao seu favor (as estatísticas nesse sentido não mentem). Você não percebe quando o bonde já partiu sem você, um sintoma primário é assistir outros moleques da sua idade estreando em grandes times, aí a ficha cai e o sentimento é de ter investido na máquina de escrever mais atual possível (dinheiro e tempo jogados fora). Lá se foram as tardes de sábado chutando bola, as noites de fins de semana sacrificadas e as festas. Se foram e não voltam, tudo perdido... Perdido?
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Nada é perdido, há sempre um ensinamento, uma grande lição. Fracassos só são realmente prejudiciais se enxergados como ao primeiro olhar nos parecem. Aprendi muito, me diverti demais e alguns daqueles amigos de pelada ainda são os meus melhores amigos (mesmo que temporariamente distantes). Não me tornei profissional, nunca joguei um grande campeonato, nunca vesti a camisa de um time de verdade (a não ser as que comprei) e muito menos cheguei à Seleção Brasileira, mesmo assim não me sinto perdedor. Ainda hoje quando assisto a uma jogo do Brasil, sempre, mesmo que ciente das minhas limitações técnicas e físicas, quase que num mantra obrigatório irracional penso comigo mesmo "era para ser eu".
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Pergunto então: e aqueles que seguiram, batalharam e conseguiram chegar lá, devem, mesmo após um grande fracasso, se sentirem perdedores? Eu entendo que não. São vencedores, mesmo que agora derrotados.
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Levantemos todos à cabeça compatriotas, a vida segue e os sonhos, seja eles qual forem e por mais distantes que nos pareçam estar, devem continuar a serem perseguidos. 
Seja o craque na ética, na civilidade, no profissionalismo que já poderá vestir a camisa 10 amarelinha cheio de orgulho e sensação de dever cumprido!

2 comentários:

alexandre disse...

Muito bom, bambino!

Anne Perfeito disse...

Meu Camisa 10 da coxa mirradinha, meu Hulk da bunda avantajada! Adorei! És o melhor do mundo na minha seleção, meu chuteira dourada! Minha taça, digo, meu <3 já é teu!

P.S. Adoro quando voltas a escrever!